19 de novembro de 2012
Sem água e sem créditos
Adriana comprou celular e ficou sem dinheiro para carregá-lo. Agora, precisa de água limpa
Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
O celular pequeno, modelo flip, de segunda mão, custou R$ 65. O chip saiu por R$ 10. Foram mais R$ 10 em créditos. Assim, pagando menos de R$ 100, Adriana Brito, 23 anos, moradora do Sítio Jurema, zona rural de Tabira (405 quilômetros de Recife), sentiu-se fazendo parte de um grande grupo mundial, aquele que tinha nas mãos um moderno telefone portátil, espécie de passe mágico que para tantos confirma: eu sou alguém. O sentimento de inclusão durou pouco: gastos os créditos, Adriana não tinha como ligar para ninguém, a não ser a cobrar. Não tinha à mão apenas R$ 10 que garantiriam, ainda que por um curto período, a sua participação naqueles outdoors das operadoras onde as pessoas surgem sempre sorrindo enquanto falam com alguém do outro lado da linha. Mas, para sorrir, Adriana precisava de dinheiro, precisava de créditos. Precisava ainda de outro item, este mais luxoso: água limpa.
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Toda família de Adriana – na casa ao lado, geminada, mora sua mãe, Maria Lúcia, 46, mais três pessoas, entre irmãos e esposo – bebe uma água salgada que é trazida por um caminhão-pipa da prefeitura e colocada na cisterna da casa de uma parente, ali perto. Dá para encher dois tambores com a água salobra que é compartilhada ainda com o pequeno Natanael, 6, e os dois bois e cinco cabritos que circulam no curral. “Mas é tão ruim que nem eles querem beber, os inocentes”, comenta Maria, que pena mesmo para lavar roupa, pois “o sal corta todo o sabão”. O alto teor de salinidade, no entanto, não é o pior problema da família da moça que possui um celular quase mudo: várias vezes, Natanael, Maria e Adriana ficam doentes após ingerir o líquido. No final de outubro, a criança deixou de ir à escola por causa de uma forte diarreia.
Há um fogão a gás na casa de Maria e um fogão a lenha na casa de Adriana. É apenas no último que hoje a família pode cozinhar, já que não há gás de cozinha. Há também a possibilidade de ferver a água, usando o fogo a carvão, para evitar a contaminação por bactérias, mas, ali, tal prática não é uma realidade. Adriana e os pais não são escolarizados e a única renda fixa são os R$ 102 mensais do Bolsa Família. O dinheiro que conseguem por fora vem dos sacos de carvão feitos no quintal, custam entre R$ 6 e R$ 9. Quase o preço da quantidade mínima de créditos para abastecer o celular. A família vive, assim, em uma espécie de vácuo mercadológico: não é desejada pelo mercado e não tem nada material a oferecer, muito embora Adriana, com seu telefone de segunda mão, tente fazer parte do universo do consumo. Explica-se: se a ela não foi possível a escolaridade formal, há o acesso contínuo e generoso à pedagogia dos bens materiais que sugerem uma vida mais completa. Essa pedagogia chega diariamente no lar paupérrimo, por exemplo, através da TV presente na sala construída em meio a uma paisagem que lembra o solo lunar.
Para a tristeza daquela família inserida na Classe Seca, a estiagem torna essa inserção no mundo dourado do crédito quase nula: com o pouco dinheiro, além de alimentar a prole, Adriana e os pais precisam dar conta dos animais, que, quando tornam-se muito dispendiosos, são oferecidos à morte através da sede e da fome. O saco de milho custa mais de R$ 50, o saco de torta (ração feita com caroço de algodão, soja) sai por R$ 60. “Só dá pra colocar dois canecos de ração por dia, senão a comida não rende. Agora começamos a pinicar mandacaru, como fazemos com a palma, para render mais”, conta Adriana. Há dois anos não colhem jerimum, milho e feijão, com os quais mantinham-se alimentados. Não há previsão de iniciar uma nova plantação.
Da cerca que limita a área da residência, Adriana observa a estrada lunar à espera de que alguém vá até ali e traga notícias sobre uma água boa. “Na época da eleição eu votei em um homem que disse que ia fazer um poço aqui. Eu lhe digo que votei nele mesmo, para quando fosse a hora da precisão.” Dentro daquele vácuo, sem o básico do básico do básico, ela lamenta não poder mudar a hierarquia de suas necessidades, de suas precisões. No máximo, pode voltar ao Centro de Tabira, olhar o que é exibido nas vitrines. No fim, Adriana, sem crédito no celular e sem água, limita-se hoje apenas a um papel: é espectadora da felicidade alheia, da felicidade vista no sorriso daqueles que aparecem no comercial do celular.
Há um fogão a gás na casa de Maria e um fogão a lenha na casa de Adriana. É apenas no último que hoje a família pode cozinhar, já que não há gás de cozinha. Há também a possibilidade de ferver a água, usando o fogo a carvão, para evitar a contaminação por bactérias, mas, ali, tal prática não é uma realidade. Adriana e os pais não são escolarizados e a única renda fixa são os R$ 102 mensais do Bolsa Família. O dinheiro que conseguem por fora vem dos sacos de carvão feitos no quintal, custam entre R$ 6 e R$ 9. Quase o preço da quantidade mínima de créditos para abastecer o celular. A família vive, assim, em uma espécie de vácuo mercadológico: não é desejada pelo mercado e não tem nada material a oferecer, muito embora Adriana, com seu telefone de segunda mão, tente fazer parte do universo do consumo. Explica-se: se a ela não foi possível a escolaridade formal, há o acesso contínuo e generoso à pedagogia dos bens materiais que sugerem uma vida mais completa. Essa pedagogia chega diariamente no lar paupérrimo, por exemplo, através da TV presente na sala construída em meio a uma paisagem que lembra o solo lunar.
Para a tristeza daquela família inserida na Classe Seca, a estiagem torna essa inserção no mundo dourado do crédito quase nula: com o pouco dinheiro, além de alimentar a prole, Adriana e os pais precisam dar conta dos animais, que, quando tornam-se muito dispendiosos, são oferecidos à morte através da sede e da fome. O saco de milho custa mais de R$ 50, o saco de torta (ração feita com caroço de algodão, soja) sai por R$ 60. “Só dá pra colocar dois canecos de ração por dia, senão a comida não rende. Agora começamos a pinicar mandacaru, como fazemos com a palma, para render mais”, conta Adriana. Há dois anos não colhem jerimum, milho e feijão, com os quais mantinham-se alimentados. Não há previsão de iniciar uma nova plantação.
Da cerca que limita a área da residência, Adriana observa a estrada lunar à espera de que alguém vá até ali e traga notícias sobre uma água boa. “Na época da eleição eu votei em um homem que disse que ia fazer um poço aqui. Eu lhe digo que votei nele mesmo, para quando fosse a hora da precisão.” Dentro daquele vácuo, sem o básico do básico do básico, ela lamenta não poder mudar a hierarquia de suas necessidades, de suas precisões. No máximo, pode voltar ao Centro de Tabira, olhar o que é exibido nas vitrines. No fim, Adriana, sem crédito no celular e sem água, limita-se hoje apenas a um papel: é espectadora da felicidade alheia, da felicidade vista no sorriso daqueles que aparecem no comercial do celular.
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